A Assembleia Geral da ONU, em 2013 aprovou por unanimidade a Resolução 68/237, que declarou o período de 01 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024 como a década Internacional de afrodescendentes, denominada “Pessoas Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.
Essa declaração estabeleceu como seus objetivos principais:
- Promover o respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, como reconhecido na Declaração universal dos Direitos Humanos;
- Promover um maior conhecimento e respeito pelo patrimônio diversificado, a cultura e a contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades;
- Adotar e reforçar os quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais de acordo com a Declaração e o Programa de Ação de Durban e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, bem como assegurar a sua Plena e efetiva implementação.
É preciso compreender que o conceito de afrodescendente, utilizado nesta declaração diz respeito às pessoas de ascendência africana, que no Brasil se autodeclaram como pretas ou pardas, também denominadas de pessoas negras, que são vítimas do racismo e continuam sofrendo discriminação em função do legado histórico e criminoso do comércio transatlântico de escravizados.
Essa Resolução faz com que os Estados-Membros, como o Brasil, tenham que adotar medidas para dar efetividade às deliberações já emanadas pela ONU de enfrentamento ao racismo e todas as suas nefastas consequências, que impõem à população negra (afrodescendente) as piores condições sociais.
De acordo com dados do DIEESE (2012) a respeito do mercado de trabalho em regiões metropolitanas, a população negra recebe 63.9% do que recebem os não negros. Na indústria da região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o rendimento médio, por hora, de um trabalhador negro, com ensino superior, era de R$ 17,39, o de um não negro era de R$ 29,03, o que representa 59,9%, demonstrando que o aumento da escolaridade aumenta ainda mais a discrepância existente entre a população negra (afrodescendente) e a população branca.
Quando comparamos dados da PNAD/IBGE verifica-se que entre 2001 e 2013, no Paraná, verifica-se que o percentual de estudantes, com 15 anos ou mais idade, que possuem 12 anos ou mais de estudos concluídos passa de 11,1% para 19,5%. No Brasil esses percentuais foram, respectivamente 9,0% e 16,4%. O que demonstra uma elevação geral da escolaridade da população paranaense e brasileira. Porém, quando olhamos esses dados com as lentes de raça/cor, constatamos que o crescimento líquido da população branca, no Paraná, foi de 10,7% (de 13,0% para 23,7%), enquanto da população negra foi de 6,2% (de 3,3% para 9,5%). No País esses números foram respectivamente 9,9% (de 13,3% para 23,2%) para população branca e 6,6% (de 3,5% para 10,1%).
Esses números revelam ainda que o nível de discrepância entre a população negra (afrodescendente) e a população branca, que era de 9,7% em 2001, no Paraná, passou para 14,2%. No Brasil esses percentuais foram, respectivamente de 9,8% para 13,1% (vide tabela abaixo).
| Percentual da população com 15 anos ou mais de estudos, por raça/cor, com 12 anos ou mais de estudos concluídos – 2001 e 2013 | |||
| Região / Cor | 2001 | 2013 | |
| 12 anos ou mais | 12 anos ou mais | ||
| Brasil | Total | 9,0 | 16,4 |
| Brancos | 13,3 | 23,2 | |
| Negros | 3,5 | 10,1 | |
| Paraná | Total | 11,1 | 19,5 |
| Brancos | 13,0 | 23,7 | |
| Negros | 3,3 | 9,5 | |
| Fonte: PNAD/IBGE 2001 e 2013 (organizado pelo autor) | |||
Esse recorte demonstra a necessidade de adotar, fortalecer e implementar políticas, programas e projetos de ação afirmativa para combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata, de forma a assegurar o pleno desfrute dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pelos povos afrodescendentes.
Particularmente na educação, embora tenham se passado mais de 13 anos da aprovação da Lei 10.639/03, ainda é fundamental promover o conhecimento, reconhecimento e respeito pela cultura, história e patrimônio dos povos afrodescendentes, inclusive através de pesquisa e educação, e promover a inclusão completa e precisa da história e da contribuição dos povos afrodescendentes nos currículos escolares.
Para tanto o Estado Brasileiro deve assegurar que livros didáticos e outros materiais educativos reflitam precisamente fatos históricos relacionados a tragédias e atrocidades passadas, em particular a escravidão, o comércio de escravos, o comércio transatlântico de escravos e o colonialismo, de modo a evitar estereótipos e a distorção ou falsificação dos fatos históricos, o que pode levar ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância correlata.
Antes de promover o fechamento de escolas em áreas vulneráveis, é preciso assegurar que educação de qualidade seja acessível e disponível em áreas onde existam comunidades de afrodescendentes, particularmente em comunidades rurais e marginalizadas, com atenção na elevação da qualidade da educação pública.
Nesse processo de reconhecimento, justiça e desenvolvimento é preciso que os sistemas de ensino tomem medidas para assegurar que os sistemas de educação não discriminem ou excluam crianças afrodescendentes, e que elas sejam protegidas de discriminação direta ou indireta, de estereótipos negativos, estigmatização e violência por parte de colegas ou professores. Isso requer um amplo processo de formação inicial e continuada de professores (as) e funcionários(as) da educação, além de implementar medidas para aumentar o número de profissionais da educação afrodescendentes (negros e negras) trabalhando em instituições de ensino.
Esses são alguns dos desafios postos para os governos que, diga-se de passagem, já estão em muito atrasados. Tanto pelos séculos de escravismo criminoso, quanto pelos 127 anos de abolição excludente e inacabada, que não asseguraram ações efetivas por parte do Estado para combater o racismo, os preconceitos e a discriminação racial. Ao contrário, onde o próprio Estado foi promotor, financiador e legitimador dessas situações.
A APP-Sindicato, a CNTE, a CUT, o Movimento Negro e os movimentos sociais que lutam por uma sociedade sem oprimidos ou opressores estão vigilantes para que essa Resolução da ONU não se revista apenas de uma intenção. Mas que efetivamente impulsione o Brasil e o Mundo para implementar as decisões emanadas da Conferência de Durban.
Viva os guerreiros e guerreiras que combatem diuturnamente o racismo, explícito ou velado, presente da educação, na sociedade brasileira e, com muito mais intensidade, presente na sociedade paranaense.