O ano: 1992. O dia: 25 de julho.
Nesta data, foi criado o Dia da Mulher Negra, Afro-Latino-Americana e Caribenha durante o I Seminário Internacional de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, ocorrido na República Dominicana. A data veio como uma homenagem à Tereza de Benguela, líder quilombola assassinada em 25 de julho de 1770 em território mato-grossense.
No Brasil, durante o mês de julho ocorrem palestras, rodas de conversas, oficinas e debates como forma de celebrar as lutas e conquistas das mulheres negras e também como forma de alertar para o racismo e o sexismo que ainda são latentes em nosso país. É o chamado Julho das Pretas.
Somos um país, onde algo em torno de 55,5% da população é negra, segundo dados do IBGE. Porém, é a que mais sofre com o desemprego, é a que recebe os mais baixos salários, a que mais se encontra na informalidade, em todos os patamares analisados.
No quesito violência, os dados são ainda piores (A cada 100 mortos pela polícia em 2022, 65 eram negros, mostra estudo | Agência Brasil) mas, o que tem nos chamado a atenção é uma censura sistemática que vem ocorrendo no campo literário com obras escritas por negros ou que tenham personagens negros. É sobre esses casos que iremos nos debruçar aqui brevemente.
O primeiro caso ocorreu como livro de Jefferson Tenório, O avesso da pele, em março deste ano, quando a Secretaria de Estado da Educação do Paraná recolheu o livro das escolas com o pretexto de realizar uma análise pedagógica para o uso do mesmo. A obra, vencedora do Prêmio Jabuti (2021), conta a tragédia vivida por Pedro, um jovem negro de classe média, quando seu pai, professor, é morto pela polícia numa abordagem desastrosa. O livro faz parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e passou por rigorosa seleção antes de ser incluído na listagem. Outras secretarias de educação (GO e DF) pegaram carona na ideia insana e retiraram o livro de circulação, mas o feitiço virou contra o feiticeiro. O avesso da pele tornou-se a obra mais procurada nas livrarias de todo o país, evidenciando a qualidade e a importância da mesma na abordagem da temática racial, além de evidenciar a falta de coerência e bom senso dos gestores educacionais destes estados, para não usarmos os termos corretos.
O segundo caso ocorreu no dia 12 de junho, em São José dos Campos (SP), após um vereador do PL solicitar a retirada da obra Mulheres Sonhadoras, Mulheres Cientistas das escolas da cidade, alegando tratar-se de doutrinação ideológica (sic!). A obra, composta de dois exemplares, foi escrita pela juíza Flávia Martins e conta a história de 20 mulheres inspiradoras, em sua maioria negras, que apesar das dificuldades, obtiveram lugar de destaque em diversas áreas do conhecimento. Dentre as homenageadas, estão a médica psiquiatra Nise da Silveira e a vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada em 18 de março de 2018, na cidade do Rio de Janeiro.
Já o terceiro caso, alguns dias depois (19/06), mexeu com o pai do Menino Maluquinho. Dessa vez, foi Ziraldo que teve seu O Menino Marrom retirado das prateleiras das escolas municipais da cidade de Conselheiro Lafaiete (MG), após reclamações dos pais de alunos sobre a obra, taxando-a de satânica. A fala da secretaria de educação foi a mesma: readequação pedagógica. Mas, só agora? O livro, escrito lá em 1986, conta a história de dois garotos, um marrom e o outro cor de rosa. Ambos são cheios de curiosidades: “Quem inventou que o contrário de branco é preto?” Porém, a questão central é a discussão acerca da diversidade racial e do preconceito ao qual o menino marrom é exposto ao longo da história. Lembrando que estávamos num período histórico de recém redemocratização do país e abordar temáticas como o racismo ainda eram um tabu e pouco comuns à época.
É emblemática a escolha destes livros para “readequação pedagógica” em se tratando de obras que abordam ou trazem personagens/ personalidades negras. É como se houvesse uma tentativa deliberada de apagar a presença, a existência do racismo a qual estão sujeitas as pessoas/personagens como o menino marrom ou como as mulheres sonhadoras, Pedro e Henrique (O avesso da Pele). Fico imaginando que quem deu esse encaminhamento de “readequação pedagógica” deve querer não só tirar as obras das prateleiras, deve ter um fetiche em reviver o dia 10 de maio de 1933. Mas, isso já é outra história e cuidemos de Machado de Assis desse tipo de gente!
Por Cláudia Gruber, secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato e professora de Língua Portuguesa – Mestra em Estudos Literários pela UFPR.
CARVALHO. Flávia Martins de. Mulheres Sonhadoras, Mulheres Cientistas. Sumaré: Editora Mostarda, 2022.
TENÓRIO, Jeferson. O avesso da pele. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
ZIRALDO. O menino Marrom. São Paulo: Melhoramentos, 1986.